Escondido
Viver anonimamente, escondido, não nos parece ser uma fuga covarde. Pelo contrário, além de ser um altivo cuidado de si, é uma grande prova de força, de uma conquista da vida corajosa. A vida sábia é conquistada quando encontramos, através das mais variadas coisas do mundo, as companhias que pertencem à nossa natureza. Talvez uma das tarefas mais árduas da nossa existência é sabermos nos livrar das amarras, isto é, fazer morrer o que pode morrer, pois o que se tornou dispensável não pode mais ter sentido para ser carregado conosco. Tais relações venenosas com as coisas do mundo nos impedem de dispor o nosso corpo e a nossa mente para tudo o que é novo. Assim, levamos uma vida que assemelha-se à massa – e, pior, nos preocupamos cada vez mais em viver assim. Fazemos o que os outros querem e, como é inevitável, colhemos os piores frutos em razão dessa ignorância. Perdemos tempo e forças com tarefas inúteis – ser recompensado, admirado, invejado, famoso ou, simplesmente, ser um sujeito “normal”, demanda doses absurdas de compromissos enfadonhos e de companhias insuportáveis, tudo para preservar uma imagem que destoa completamente da nossa singularidade. Viver como a maioria torna-nos agitados, perturbados, impotentes para pensar e agir. Não há algo mais nocivo do que viver em um ambiente errado. Em vez de utilizarmos as nossas forças para coisas muito mais nobres, utilizamo- as para afastar de nós o que nos corrompe, tentamos encontrar atalhos, momentos de boa companhia ou momentos para ficar com nós mesmos. Mas o dever social nos chama, o telefone não para de tocar, os compromissos são inadiáveis e, mais uma vez, o que nos daria a chance de começar a entender o processo da nossa diferenciação é adiado mais uma vez. Não há dúvida de que, assim, a vida transforma-se, cada vez mais, em um grande tédio.
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Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.
Comentários
Gosto tb da solidão, vivo muito nela. E gosto tb da dualidão. Ô se gosto. E por isso mesmo adoro amontoado de gente anônima. Ás vezes pego ônibus só pra me sentir parte da multidão. O chato mesmo é vidinha social, aquelas conversinhas, aquele troço repetido, sem futuro, sem presente.