Essência
A
semente precisa de certos corpos para desenvolver-se, para,
enfim, morrer e nascer ao mesmo tempo,
dividindo-se quando deixa de ser semente para ser planta. Sua
metamorfose somente ocorre quando ela se mistura com corpos que são
fundamentais para esse processo, como a água e a terra. Sem isso,
ela não germina. Uma semente misturada com corpos que são
contrários à sua natureza, como o cimento e a madeira, por exemplo,
não irá germinar. Continuará a ser semente, mas, certamente, dessa
mistura não veremos derivar uma planta. Essas observações não são
nada misteriosas, já que pertencem ao senso comum. “Os alunos
observam continuamente a evolução do plantio e chegam às primeiras
conclusões. Reconhece-se a semente por sua capacidade
de mudar: cresce
se é colocada na terra; uma semente que cresce dá uma planta. Em
uns quinze minutos (observação e registros escritos) – a cada
dois dias durante uma semana a dez dias – em função da evolução
do plantio, as crianças observam as mudanças; é uma observação
contínua. A cada vez, cada um desenha e escreve o que observa,
colocando a data. Após cada observação, os alunos que querem
relatam suas observações ao grupo ou à classe. À
medida que o tempo passa, diferenças aparecem na evolução dos
plantios: novas
plantas saem da terra no terceiro dia, outras apenas após sete dias.
Os alunos propõem remover a terra para melhor observar o que
colocaram. Constatam o que mudou. Uma semente se
reconhece pelo que é capaz de transformar. Esta capacidade de mudar
com o tempo e de fazer trocas com o ambiente são propriedades que
permitem identificar o ser vivo” (1).
Assim como ocorre com as sementes, as mudanças da nossa essência
exigem um tempo, mais precisamente um tempo próprio, para, somente
assim, percebermos que nos tornamos diferentes de nós mesmos –
mudanças que implicam a arte da experimentação, de um convívio
com os corpos que são favoráveis à nossa metamorfose e que nos
relacionamos de modo amoroso, onde, literalmente, roubamos tudo o que
pode servir a algo que nos impulsiona a viver, que é a produção da
nossa essência – assim, percebemos que existe uma
“planta” em nós mesmos... “A
noção de semente, estando agora esclarecida do ponto de vista
morfológico, ontogênico e anatômico, parece interessante
questionar sobre as necessidades fisiológicas deste ser vivo, ou
seja, sobre as condições ambientais necessárias ao
seu desenvolvimento. As
crianças procuram saber o que a semente precisa para que consiga
germinar com êxito. A observação das diferenças na evolução dos
plantios leva as crianças a perguntarem ‘O que faz com que certas
sementes cresçam mais rápido que outras?’ Os alunos discutem os
resultados obtidos nos seus experimentos e escrevem suas
conclusões: para germinar, a semente precisa de água,
sem água não germina. O
professor propõe que as crianças analisem os resultados dos
experimentos. Após alguns dias, pode-se constatar que nos setores
onde não há água, semente nenhuma germinou.
Por outro lado, nos setores onde as sementes estavam em presença de
água, os brotos apareceram”.
A efetuação disso não se dissocia de um autêntico combate:
encontrar a nossa “água” exige ação, uma dose de coragem,
ruptura com relações que não combinam conosco, que travam o
processo da nossa germinação, porque são
organizadas de fora e
não por nós mesmos. E a consciência desse processo irreversível
de metamorfose torna-se cada vez mais rara à medida que os homens
nem sequer imaginam que eles são, na verdade, como tudo na natureza
– essência que não remete a uma identidade perdida, mas a uma
capacidade de modificar-se cada vez mais. Afinal, reconhecemos
alguém que vive quando
percebemos que é capaz de efetuar isso.
1. Os trechos citados entre aspas neste aforismo foram extraídos do artigo “Uma semente, uma planta?”, disponível no seguinte endereço (acessado em 01/09/09):
Comentários
abraços afetuosos tua virgínia
um grande abraço