Amor
Para alguns homens, chega o momento em que são tomados por um sentimento impessoal que os leva a cuidar da sua existência para que ela sirva de passagem para uma energia livre, que cresce e alcança um grau de expansão que continua muito além da sua própria carne. Um olhar atento para o passado da humanidade permite percebermos alguns indivíduos que entregaram a sua existência por amor – uma entrega irreversível, sem livre escolha, em razão de uma urgência de algo que sentem ser muito maior do que os seus nomes, os seus corpos, as suas histórias pessoais. Alguém experimenta isso quando se dá conta, finalmente, de que a própria obra está em processo: em certos casos, pode-se até dizer que parte dela esteja feita – isso pode ser um fato –, mas como o amor ao que está efetuado apenas alimenta a ilusão do eu, é indispensável que o desejo para cuidar da sua existência – e, por consequência, da própria obra em construção – não seja esquecido. Ousamos dizer que o maior entendimento entre os homens apenas pode ser conduzido pela experiência desse sentimento de participar, de algum modo, do engendramento daquilo que é vital e indispensável para o futuro da humanidade. Se o que os homens amam é esse processo, está desfeita, então, a confusão do amor a algo que se imagina fixo, tal como o amor ao outro, ao objeto ou a qualquer coisa supostamente isolada. Se quisermos redimir o sentido vulgar da palavra “outro”, é preciso considerá-lo não como uma realidade “em si”, mas como parte de um todo, o que permite que ocorra uma aliança temporária que se constrói junto com alguém, isto é, uma amizade indispensável que é sustentada por um amor à vida. O olhar distante e introspectivo, caro à experiência de amar, nos liberta do amor à verdade absoluta, do fanatismo religioso, do orgulho de pertencer a uma seita, seja ela religiosa, moral, filosófica, artística. O amor dos fanáticos é mesquinho, venenoso, inibe o processo criativo, impede a autonomia, reproduz o temor dos indivíduos sobre tudo aquilo que tem um fim. Sem o engendramento da obra, os fanáticos e crentes de toda espécie não conseguem compreender que o fim não se opõe ao processo de produção da realidade – por isso o melhor remédio contra a fé é viver de modo criativo. E apenas há filosofia, ou melhor, conquista da criação filosófica, quando se é conduzido pelo amor, pois, caso contrário, o passatempo da linguagem, a fé na razão, fazem derivar questões distantes da vida, que encobrem o processo e tornam a filosofia uma ferramenta para interesses vis... A brevidade da nossa existência orgânica já seria motivo suficiente para entendermos a urgência de não desperdiçá-la. Acordamos, comemos, respiramos, trabalhamos, enfim, existimos em função de alguma coisa que pode não estar suficientemente nítida para nós, mas que sentimos nos empurrar para adiante. Esse cuidado de si, como já é possível compreender, somente é sustentado pelo amor.
Comentários
Abraços com muita ternura.
Jorge Bichuetti
abraço afetuoso tua
virgínia