Paciência
Como
podemos ter paciência para deixar vir aquilo que é incerto? Pelo
fato do resultado ser imprevisível, já seria motivo suficiente para
não esperarmos surgir o que não temos a menor ideia. Habitualmente
esperamos por algo minimamente conhecido, constituído por uma
imagem, e o limite da nossa paciência pode se estender, grosso modo,
até o ponto onde não temos mais dúvida do resultado, sendo ele
favorável ou não: afinal, temos a imagem da causa, logo, surgirá um efeito... Mas quando não temos a imagem da causa, que efeito podemos esperar? Nesse caso, até onde
pode ir a nossa paciência? Consultemos um escritor: vemos algumas linhas escritas, os rascunhos se acumulam, as palavras estão insuficientemente articuladas. O seu trabalho é, muitas vezes, lento e
incerto. Ter a paciência para o que não tem imagem, para o que não
se assemelha a nada existente, apenas é possível por meio de uma
rigorosa autodisciplina, através de um combate cotidiano para
impedir, sempre que possível, que o excesso de estímulos gregários
não adie, por mais uma vez, aquilo que sentimos ser primordial. Sem
a autodisciplina, o efeito pode ser desastroso: sentimos uma
impaciência crescente na experiência com ritmos que, pela
perspectiva gregária, são demasiado lentos. Mas são esses ritmos
lentos que nos salvam da banalidade, que engendram os nossos
pensamentos e, desse modo, percebemos que há um quê de liberdade
dentro de nós. Tais pensamentos são os frutos da nossa paciência,
porque nos recusamos a pular o ritmo do tempo que é necessário para parir algo novo.
Num certo sentido, a liberdade é comum a todos os homens, pois cada
um carrega consigo o anseio de viver o mais livre que puder, mas, em
outro sentido, a liberdade é realidade para poucos – são os que
arduamente souberam dar valor à espera paciente dos frutos
imprevisíveis que vieram à tona por aquilo que não tem imagem.
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