Protestos
Manifestações genuínas de desejo, que escapam e fluem, têm sempre o risco de serem absorvidas pela lógica capitalista. Isso ocorre todos os dias. Se aquilo que escapa consegue se reinventar, vivendo de modo revolucionário, sacode e, até, põe abaixo alguns dos grandes conjuntos sociais estabelecidos. Mas quando as manifestações são absorvidas, tornam-se inevitavelmente inofensivas. A princípio, protestos que emergem em uma sociedade não são, em si mesmos, bons ou ruins, porque dependem daquilo que os movem. Gritos do tipo “Mudança!”, “O gigante acordou!”, “Vem pra rua!”, “Democracia!”, entre tantos outros, podem ter conotações revolucionárias ou, pelo contrário, reacionárias. Mas quando um movimento reacionário se serve de manifestações genuínas de desejo para reforçar suas insatisfações como “cidadão de bem”, os protestos passam a ter uma direção, no mínimo, preocupante. “Protestamos pelo fim da corrupção, pelo fim da violência, por melhores hospitais, por melhores escolas”. Este tipo de protesto, além de não ter sustentação, expressa um ódio muito bem dirigido. No Brasil atual, quem é que não está descontente com a saúde, com a educação, com a política? Quando esse descontentamento passa a servir interesses fascistas, surge um nacionalismo que pode tomar proporções seríssimas. Uma “vontade de ditadura” que contagia os sofredores e insatisfeitos de todo tipo passa a crescer, abastecida pela grande mídia que, no Brasil, é denominada de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Segundo Julian Assange, seis famílias controlam 70% da imprensa no Brasil. Mas seria ingenuidade imaginar que o movimento reacionário se limitasse a essa influência da grande mídia na opinião da massa: ele está presente nas conversas do cotidiano e também nas redes sociais da internet, sendo que os efeitos de seu contágio pelo ódio e pela sede por mudança (que, de início, são imperceptíveis), tornam-se, enfim, visíveis nos protestos das ruas, com o apoio da grande mídia. Hoje em dia, para tirar do poder o presidente de um país é indispensável a proliferação do ódio pela internet, de modo que a própria massa irá levar adiante a “revolução” tão desejada pelo movimento reacionário. Para nós, nas manifestações recentes do país, houve uma apropriação de um protesto genuíno (que concernia à cobrança de tarifa de um transporte que se diz “público”) por parte de um movimento reacionário que encontrou, finalmente, a ocasião para se propagar ao direcionar o ódio de quem já vive de modo entristecido. Por isso não podemos esquecer a importante observação de Reich, quando dizia que os alemães não foram enganados, pois desejaram o nazismo. Pouco importa se o que ele disse refere-se a algo singular, que ocorreu em um momento específico da Alemanha, sob certas condições. Assim também pouco importa se o que dissemos refere-se aos protestos que tomaram conta das ruas do Brasil em Junho de 2013 (cujo acontecimento também foi revigorante sob alguns outros aspectos). O que queremos destacar é que o movimento reacionário que protesta nas ruas não está apenas presente na grande mídia, nas conversas do cotidiano ou nas redes sociais da internet – ele está em nós, mesmo virtualmente, e passa a nos conduzir quando estamos mais enfraquecidos, entristecidos, ávidos por mudanças que venham de fora. Chega-se ao ponto de acusar de comodismo quem não vai às ruas, de não lutar pelos direitos do trabalhador ou do cidadão, de não participar da “revolução”. É aí que mordemos a isca do poder e nos limitamos à opinião... E, segundo a lógica capitalista, mudanças são sempre bem-vindas, pois elas servem para manter a mesma ordem: o sujeito continua a registrar o ponto de entrada no seu local de trabalho na segunda-feira, mas agora com a esperança renovada de que dias melhores finalmente virão...
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