Seguidores


Não querer mais tolerar o entristecimento pode ser uma indicação de que, finalmente, os gritos do corpo serão escutados, ou, ao contrário, pode também ser a oportunidade para que organizações “alternativas”, que pretendem salvar os “neuróticos insatisfeitos”, exerçam um poder ainda mais violento. Os indolentes são presas fáceis de alguém que é inteligente e sedutor, que promete outra vida melhor para quem o seguir. Ao menos isso demonstra que o entristecimento tolerado pelos “neuróticos insatisfeitos” tem, certamente, seus limites, pois eles sentem na carne o peso diário das obrigações morais entediantes e, por isso mesmo, estão mais inclinados para idolatrar quem quer que seja, desde que seja um líder que possa curá-los e guiá-los sabe-se lá para onde (já vimos as implicações políticas – e a gravidade disso – quando o ódio dirigido sai às ruas para protestar). Os fundadores de comunidades alternativas e seus seguidores não se escondem para experimentarem momentos de respiro, mas para fugirem do combate exercido na sociedade que eles tanto criticam. Dito de outro modo: em vez de democracia ativa, preferem depositar sua salvação em uma seita... É notório que os líderes das seitas falam aquilo que os insatisfeitos querem ouvir  esta é a habilidade deles. Por exemplo: os efeitos dos alucinógenos são interpretados como um “chamado divino” para a tão desejada salvação, o que faz os seguidores jogarem para o alto os seus empregos, casamentos, filhos, tudo para se submeterem aos desejos do aclamado guru. Ora a salvação é prometida em outro mundo, numa definitiva fusão com o “infinito” (como nos casos de suicídio), ora é prometida neste mundo, por meio de justiça, honras, igualdade e felicidade dentro da comunidade. Existem aqueles que tentam convencer os insatisfeitos de que é muito melhor viver sem dinheiro, que é melhor ter vários parceiros sexuais (o “amor livre”), que é melhor doar suas energias para o pleno desenvolvimento da comunidade. Isso tudo faz parte da estratégia do líder de seita para demonstrar que ele é contra o sistema que oprime e reproduz a infelicidade de seus futuros seguidores, oferecendo a melhor opção (que, obviamente, é a dele) de viver em uma sociedade alternativa... E esse é o perigo: erigir um modelo de sociedade para que os insatisfeitos se tornem seguidores de um lunático. 

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Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.

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