Impulso
A grave mudança climática que está em curso é, para a ciência, indissociável das imensas quantidades de CO2 despejadas pela humanidade (sobretudo por meio do carvão, petróleo e gás natural), que se acumulam na atmosfera e causam o efeito estufa. Pelo fato de a Terra estar mais quente, os cientistas alertam para mudarmos, urgentemente, o nosso modo de viver, pois, caso contrário, as próximas gerações serão testemunhas de ondas de calor insuportáveis, secas inéditas, elevação do nível do mar, extinção em massa de espécies. Para evitar o pior, os cientistas dizem que a humanidade poderia se servir da energia limpa, cuja tecnologia é conhecida desde o final do século XIX, por meio do “concentrador parabólico de energia”, de Augustin Mouchot – tal invenção convertia a energia solar em movimento mecânico e, inclusive, podia produzir eletricidade. Portanto, é evidente que não há impedimentos tecnológicos e científicos para salvar o futuro da humanidade. Se algo nos impede disso, segundo os cientistas, é a ausência da nossa “vontade de agir”. Atualmente a China é o maior emissor de CO2, mas é, também, o país que mais investe em energias renováveis (energia eólica, energia solar fotovoltaica, energia geotérmica, energia hidrelétrica). Será que este fato seria um signo da “vontade de agir” a que os cientistas se referem? Ora, esta “mudança de atitude” é conduzida por interesses econômicos (pois a redução da emissão de CO2 diminui os custos com a saúde da população e com a despoluição ambiental), e não por interesses que favoreçam a liberdade humana. Mesmo assim, esta “mudança de atitude”, que ainda é muito tímida, pode não ser suficiente para evitar que a humanidade tenha que se virar para sobreviver em um planeta aquecido em 3 ou 4 graus. Em razão disso, parece-nos importante distinguir, aqui, a “vontade” do “impulso”. Podemos dizer que a vontade tem relação direta com a nossa conservação, com a crença em um ideal, está enlaçada com as noções de origem e finalidade. Vontade e consciência pragmática caminham lado a lado. Temos vontade de reagir a estímulos que colocam em risco a nossa conservação ou, ao contrário, que a favorecem. Nesse sentido, a dor ameaça a nossa conservação – por isso reagimos; já o prazer favorece a nossa conservação – por isso também reagimos... Contudo, é inegável que existe uma produção social da vontade pelos mais diversos meios, fazendo a maior parte da humanidade ser conduzida por uma vontade crescente de experimentar pouca dor e muito prazer. A vontade de crescimento econômico das nações, com destaque para a China atual, e o seu correspondente imediato, o consumismo, são sintomas da produção social desta vontade... A incrível invenção de Augustin Mouchot foi engolida pelo carvão porque simplesmente não era rentável. Mas quem é que precisava que ela fosse rentável? Se o carvão permite um lucro muito maior do que a invenção de Mouchot, isso nada tem de surpreendente, pois a noção de lucro está impregnada na consciência pragmática humana, que não conhece outro modo de existir que seja distinto da reação exagerada aos estímulos que nos conservam... Mas o impulso é outra coisa diferente da vontade – ele é um empurrão sentido pela consciência continuante. O seu ideal não concerne ao que nos conserva, mas é vivido como continuamento – trata-se de uma experiência que expulsa a vulgarização da nossa existência que é causada pelo império da consciência pragmática. O impulso não tem nenhuma intimidade com os prazeres. É ele que, inclusive, redime a vontade, ao impor um outro sentido para o uso dos bens que nos conservam. Dito de outro modo: por não ter a ideia do que seja o impulso, a humanidade se mantém escrava da sua vontade excessiva de acumular as “folhas tristes”... Vontade temos em demasia. Impulso é do que precisamos para agir.
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