Manipulação
A manipulação das massas neste início de século envolve uma engenharia clandestina de grande sofisticação. Conforme as denúncias de Edward Snowden, agências de inteligência introduzem materiais falsos na internet, disseminam mentiras sobre inimigos políticos, inclusive servem-se das ciências humanas para manipular a “inteligência humana online”. Por meio de narrativas favoráveis aos seus fins, os inimigos são abatidos sem a necessidade de um tiro sequer, apenas pelo descrédito que passam a ter em razão da propagação de notícias falaciosas. Postagens de informação negativa, de “vitimização falsa” (quando alguém finge ser vítima de um inimigo político) e de “operação de bandeira falsa” (material postado na internet atribuído falsamente a terceiros) são apenas algumas táticas de manipulação que, de fato, exercem grande influência na multiplicidade de afetos do mundo online. Trata-se da arte da manipulação clandestina dos afetos. Também de modo clandestino, redes de ONGs na América Latina propagam as narrativas da direita liberal ao pregarem a liberdade individual (como se o corpo e a mente fossem a nossa primeira propriedade privada), a predominância do indivíduo sobre o Estado, a meritocracia e, como contraste, rejeitam os programas sociais de governos chamados “populistas”, como o de um Hugo Chaves, na Venezuela, ou de um Evo Morales, na Bolívia. Essas narrativas são sedutoras porque enfatizam a liberdade do indivíduo de escolher o futuro que quiser, sem depender das muletas de um Estado tutelar (daí o ataque aos governos “populistas”). Recentemente no Brasil esses discursos foram para as ruas, com o apoio da grande mídia conservadora (principalmente a partir de Junho de 2013). Intelectuais declaradamente favoráveis ao discurso liberal fomentaram essas ideias para o grande público na internet, nos noticiários da televisão, nas colunas de jornais e revistas, cujo bombardeio diário de opiniões multiplicou os afetos de medo e de ódio, realizando, de algum modo, aquilo que as agências de inteligência planejaram. Com a criação estratégica da Operação Lava Jato, foi reforçada a impressão de que o país finalmente passou a ter uma oportunidade de realizar uma “faxina” ao caçar os corruptos (a Lava Jato se tornou a “lenha da fogueira” que incendiou a nação). Resumidamente, estes foram alguns dos elementos principais para o golpe jurídico-midiático no Brasil em 2016, caracterizado por uma espécie nova de golpe de Estado, de longo prazo, que funciona de modo clandestino, sobretudo na internet, sem a necessidade de disparar um tiro sequer para destituir um governo que é contrário aos interesses estadunidenses de neocolonização na América Latina. Afinal, como destituir o governo de um país com 200 milhões de habitantes, cujo território é o quinto maior do mundo, sem correr o risco de comprometer gravemente a imagem estadunidense no mundo da comunicação global? Para isso é necessário aliar-se aos interesses perversos da burguesia do país (especialmente aos dos proprietários dos meios de comunicação), de alguns juízes, dos partidos de oposição, das igrejas evangélicas e, como fator indispensável nesse processo, executar impecavelmente, de modo agressivo e contínuo, a arte da manipulação clandestina na internet que faz o “caldeirão dos afetos” ferver na temperatura que se espera... Mas podemos também agir clandestinamente, de modo completamente diferente dos pregadores do liberalismo. O indivíduo não é princípio de nada, não é proprietário do seu corpo, não é dono de coisa alguma – a sua existência é, ao mesmo tempo, um presente da vida e um meio de passagem para as potências dela. É evidente que o indivíduo não existe separado de um coletivo de forças que, necessariamente, o desindividualiza, em menor ou maior grau. Por não se colocarem nesse processo de “desindividualização”, os incluídos por um Estado tutelar continuarão insatisfeitos com ele enquanto não perceberem que as muletas devem, um dia, ser jogadas para bem longe (eles não realizam a transmutação das políticas de inclusão social). Por causa disso, é importante a existência de movimentos horizontais de autogestão, como coletivos de anônimos, que disseminam clandestinamente arte, ciência e filosofia em todos os lugares, combatendo o medo que assola os que estão entupidos por narrativas liberais e, também, por narrativas tutelares, ou seja, por tudo aquilo que reforça a noção do indivíduo como zona de segurança... Se a clandestinidade manipuladora existe por causa da covardia dos que estão capturados pela vaidade pessoal, a clandestinidade desmanipuladora, por seu lado, pode ser proliferada pela coragem dos que possuem uma simplicidade impessoal.
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