Desentorpecimento
O problema do desperdício da própria existência talvez não se manifeste tão nitidamente como nas formas atuais em que muitos estão habituados a se distraírem de si mesmos: isso ocorre pelo trabalho irracional (o tempo dedicado a uma atividade de simples sobrevivência), pelo uso banal das produções culturais (consumismo de livros, filmes, músicas), pelo consumo de uma instrução que serve, sobretudo, para aquisição de “cultura” (o conhecimento estéril que ocupa o lugar da emoção) e, em especial, pela hiperconectividade que fornece, de forma democrática, os likes reforçadores da soberba. Diante desse triste cenário, pensamos ser absolutamente necessária a multiplicação de ações de desentorpecimento (com certeza, dirigidas primeiramente a nós mesmos, a cada dia), que não visam à obtenção de prazeres efêmeros, mas à produção de ressonâncias que estimulam os desejos dos indivíduos, fazendo-os acreditarem, de maneira afetiva, nas forças da vida que os constituem (denominada crençasentida por nós) – a lei amoral da ressonância é uma operação vital e impiedosa, uma vez que há vertigem, mas que é, sem dúvida, também amorosa. A ressonância é, ao menos para nós, um recurso indispensável para combatermos o cansaço crescente dos nossos dias. Ao dizermos isso, não queremos excluir as ações que, embora estejam direcionadas apenas à percepção do Hoje, podem, entretanto, se tornarem funções de outras ações, que são as de ressonância, pois aquelas ações (as que chamamos de denúncia ou de “lentes de aumento”) não deixam de fazer parte das inevitáveis oscilações dos diversos níveis da nossa percepção... Mas, afinal, o que seriam as ações de ressonância? São as que permitem a aliança com o tempo, elas acontecem sem autorização, liberando algumas forças que fazem as pessoas saírem do seu torpor e sentirem que a vida não se reduz, de modo algum, à conservação do que aí está, pois ela, a vida, é, principalmente, criação amorosa... São ações que apontam saídas no interior do terrível mecanismo entorpecimento-volúpia-vaidade, servindo, prioritariamente, para preservar os poderes econômicos daqueles que são, sem dúvida, os mais estúpidos entre todos os seres estúpidos existentes no nosso planeta, e que, em razão disso, aquilo que os move deve ser impiedosamente desnudado – ... – mas o que os move é também o que mobiliza os estupidificados por eles e, por consequência, passam a ser desnudados da mesma forma, impiedosamente... Portanto, o reino da estupidez vai abaixo...
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