Introdução à filosofia de Spinoza

 

Disponível no formato impresso.

2ª edição, julho de 2022
136 páginas
Projeto gráfico de Arquivo - Hannah Uesugi e Pedro Botton


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PREFÁCIO

Ao contrário dos teólogos, dos satíricos e dos melancólicos, Spinoza, como filósofo, queria compreender as paixões humanas como partes da natureza, que poderiam, por isso, ser conhecidas por nós. Entretanto, o que é a natureza para ele? Partimos desta questão no presente estudo, que é apenas um breve comentário sobre o mais importante livro do filósofo holandês, Ética demonstrada segundo a ordem geométrica, concluído em 1675. Nossos comentários procuraram seguir, de certo modo, a ordem das partes que o livro de Spinoza foi dividido.

Na primeira parte do nosso estudo comentamos, basicamente, a exposição da Natureza como causa de si, isto é, uma substância constituída de infinitos atributos. Por ser causa de si, a substância não pode ser produzida por outra coisa; sua essência envolve a sua existência, que se exprime nos seus infinitos atributos. Isso concerne à natureza naturante (“Por Deus compreendo um ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita”, Ética, 1, Definição 6). As modificações da substância (corpos, mentes) concernem à natureza naturada, ou seja, são produções necessárias da essência da substância ou de Deus. Trata-se de Deus como potência absoluta de existir de infinitos modos: tudo que existe está em Deus e Deus está em tudo que existe, razão pela qual a nossa mente pode conhecê-lo por meio de um modo virtuoso de vivermos.


Na segunda parte, falamos sobre a relação entre a mente e o corpo, e a nossa ignorância de que somos uma parte da potência absoluta da natureza ou de Deus. Inicialmente, conhecemos confusamente apenas os efeitos dos outros corpos sobre o nosso corpo (imagens, afetos). Entretanto, como a nossa mente se esforça para compreender a ordem necessária da Natureza, ela pode formar outros gêneros de conhecimento (a razão e a intuição) que são distintos da imaginação e que exprimem a nossa liberdade de agir e de pensar.

Na terceira parte, comentamos a produção dos três afetos-paixão primários (desejo, alegria e tristeza) e seus derivados. Reduzidos às ideias inadequadas da imaginação, são produzidos em nós os afetos que nascem das causas imaginárias, como o amor, o ódio, a esperança, o medo, a inveja, a consideração, a desconsideração, o reconhecimento, a indignação, a gula, a embriaguez, a ira, a vingança, a soberba, a vergonha, o arrependimento e muitos outros.

Na quarta parte, destacamos a força das paixões que se fixam em nós e que, por isso, nos impede de agirmos e de nos alegrarmos com a nossa própria potência de agir. Para Spinoza, não existe outro caminho para combatermos a nossa ignorância, e a servidão das paixões, que não seja experimentarmos certas paixões alegres, até o ponto em que a nossa mente conceba adequadamente as nossas ações – o que, por sua vez, nos faz experimentarmos os afetos ativos de alegria, desejo e amor que pertencem ao conhecimento racional. Entretanto, não se trata de qualquer alegria passiva que irá estimular a nossa potência a compreender. Se, para Spinoza, a excitação excessiva é uma alegria nociva, é porque ela exprime a nossa impotência de agir (são doses de alegrias que reforçam a nossa passividade no corpo e na mente). Por isso é necessário afetarmos e sermos afetados por diversos corpos que se compõem com o nosso corpo, o que implica mudanças de hábito, para que toda a potência do corpo seja aumentada e, simultaneamente, para que a potência da mente seja aumentada suficientemente para formar as ideias adequadas do conhecimento racional.


Na quinta parte, finalizamos os nossos comentários ao falarmos sobre a potência que a mente possui para compreender a natureza. Ela passa a compreender que não há coisas isoladas, mas um encadeamento infinito de corpos, sendo que alguns se compõem com o nosso, mas muitos outros não. Desse modo, passamos a organizar os nossos encontros com indivíduos que combinam conosco. Por sermos capazes de fazermos isso, experimentamos os afetos ativos nascidos da razão. Consequentemente, dos maus encontros que nos afetam é mais difícil derivarem as paixões nocivas, pois compreendemos que tudo que existe, existe em Deus ou na natureza, isto é, qualquer coisa que existe é uma modificação necessária da substância absolutamente infinita. Aquilo que é um veneno ou uma doença para nós é sempre uma produção da natureza – do mesmo modo aquilo que é, para nós, um alimento. Do conhecimento racional somos levados ao conhecimento intuitivo das essências singulares, uma vez que algo existente exprime de modo singular a essência de Deus. Em razão de esse conhecimento já existir em Deus, ao tomarmos parte desse conhecimento intuitivo, experimentamos afetos ativos mais intensos do que os da razão e, por causa disso, quase não pensamos na morte, mas na vida.

Para concluir este prefácio, apenas mais algumas palavras sobre esta nova edição. Alguns leitores da primeira edição nos relataram uma extrema dificuldade para acompanhar a primeira parte do nosso estudo. A dificuldade é compreensível, pois é uma tentativa de comentar fielmente, de modo sucinto, as ideias mais árduas de todo o spinozismo (substância, atributos e modos), com o cuidado de não banalizarmos a sua base teórica. Em razão disso, pedimos paciência na leitura da parte inicial, pois, com o avançar da leitura das outras partes, aquilo que é abstrato pode tornar-se, com o tempo, “visível” para a mente do leitor. Daí o nosso alerta: a palavra “introdução” no título do nosso estudo não pode ser considerada como sinônimo de “facilidade”, mas de “convite ao desconhecido”, “aproximação com calma”, o que, sem dúvida, exige tempo e paciência na leitura. Por isso, este livro poderia ser denominado “Introdução paciente à filosofia de Spinoza”... Como complemento a este estudo, recomendamos o acesso aos registros em vídeos e áudios de nossas aulas sobre Spinoza, disponibilizados na internet em nosso website. 

Nesta nova edição, fizemos apenas alguns pequenos ajustes e correções em determinadas passagens, tendo em vista a busca do rigor filosófico que, no intervalo de treze anos entre a primeira edição (2009) e a segunda edição, se impôs a nós com maior exigência.


Amauri Ferreira, janeiro de 2022





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